Roteiros para estudo

Como estudar um assunto, e por onde? Nestas notas dou alguns conselhos e indicações que a minha (longa) experiência revelou terem alguma utilidade. Destinam-se, é claro, a estudantes. No momento, restringem-se a estudantes do bacharelado de física e cursos congêneres (como, por exemplo, o Curso de Ciências Moleculares). Futuramente se dirigirão também a alunos e professores do segundo grau.

Eu poderia economizar espaço dizendo simplesmente o seguinte: estude os 3 volumes do "Feynman" (R. P. Feynman, The Feynman Lectures on Physics). Mas, as pessoas são diferentes e gostam de poder escolher. E existem livros melhores do que o Feynman (por exemplo: Maxwell, Treatise on Electricity and Magnetism; Newton, Principia). Mas, em algum momento, estude o Feynman!

0.Nível zero.

Begin from the beginning.
Lewis Carroll

Se os livros do Moysés (citados abaixo) estão muito difíceis para você, ou se você quer saber melhor o que é física antes de se embrenhar nela, há ótimos livros que podem ajudá-lo. Gerald Holton, historiador da ciência de Harvard, escreveu um belíssimo texto, Introduction to Concepts and Theories in Physical Science, que apresenta a física no seu contexto histórico e cultural. Mas é um livro de física de verdade, com exercícios e tudo. Gosto muito dele. Há uma tradução para o espanhol. A biblioteca do IFUSP tem vários exemplares. Uma edição mais recente é em parceria com Stephen Brush. O famoso The Character of Physical Law, de Richard Feynman, explica o que é, afinal, a física, e dá exemplos muito bonitos do uso da razão para entender a natureza, em nível elementar. Outros livros interessantes, que podem ser lidos por qualquer um, são: George Gamow, Gravity; George Gamow, Thirty years that shook physics e o grande clássico A. Einstein, L. Infeld, The evolution of physics, escrito por Infeld, baseado em discussões com Einstein. Estes últimos livros são muito famosos e foram traduzidos para muitas línguas, inclusive o português. Mas, se você não consegue estudar em inglês, este é o seu principal problema!

1.Mecânica.

A Mecânica é a espinha dorsal da física matemática.
Arnold Sommerfeld

Para iniciar o estudo da mecânica os dois primeiros volumes de Física Básica de H.M. Nussenzveig (de agora em diante designados por Moysés I e II) são excelentes. Os exercícios do Moysés são muito bons, e bem dosados. Procure fazer um número razoável deles (uns 30 por cento; deixe alguns para leituras posteriores). Se tiver dificuldades com a matemática, consulte a lista adequada, mais abaixo. Sugiro que, como objetivos definidos, você exija de si mesmo uma boa compreensão dos capítulos 10 e 13 do Moysés I, e 6 do Moysés II. Tente, por exemplo, fazer TODOS os exercícios desses capítulos. Mais importante ainda é você inventar seus próprios problemas. Fermi iniciou sua carreira científica tentando entender, quando ainda menino, os estranhos movimentos de um pião. Dê uma de Fermi!

Mecânica se estuda a vida toda. Depois do Moysés, passa-se ao estudo de formalismos mais avançados. O ponto de chegada (ou, um dos pontos de chegada)é o livro de Landau, Lifshitz, Mechanics . Convém, porém, passar por uma etapa intermediária: um livro que já use (e introduza) métodos mais avançados, mas tratando ainda de problemas bem concretos. Um ótimo exemplo é Slater, Frank, Mechanics. O que este livro tem de excepcional são os exercícios, que tratam de problemas verdadeiros, onde é necessário entender os tamanhos relativos dos processos, e desprezar aquilo que não é relevante. Métodos de aproximação, em suma. Um livro de nível semelhante, um pouco mais fácil, porque muito mais extenso, é o Marion, Thornton, Classical Dynamics of Particles and Systems , que tem o atrativo adicional de apresentar problemas interessantes de astronáutica. Mas eu prefiro o Slater, Frank.

No nível seguinte temos o Landau, Lifshitz. Este é um livro fenomenal. É fininho, mas está tudo ali, com grande clareza e elegância. É um dos livros mais bonitos de toda a literatura física. Começa com o princípio de mínima ação, refaz toda a mecânica à luz desse princípio, que usa o formalismo lagrangeano, e depois introduz o formalismo hamiltoniano, transformações canônicas , a jóia da coroa, a equação de Hamilton-Jacobi. Não tem muitos exercícios, mas os que tem fazem pensar o suficiente.

A razão de a Mecânica de Landau, Lifshitz não ter muitos exercícios é que os métodos ali expostos serão usados depois nos outros volumes da coleção, em problemas reais , que necessitam mesmo dos métodos avançados. Por exemplo, a equação de Hamilton-Jacobi é usada, na Classical Field Theory , desses mesmos autores, para resolver o seguinte problema: determinar o movimento de um elétron sobre o qual incidiu uma onda eletromagnética monocromática, nos vários estados de polarização possíveis. Neste mesmo volume, na parte de relatividade geral, deduções muito econômicas são feitas utilizando-se a equação de Hamilton-Jacobi devidamente estendida.

Anteriormente ao aparecimento do Landau, Lifshitz, o livro de mecânica avançada de melhor qualidade (para físicos) era o Goldstein, Classical Mechanics. Ainda é um livro bom, excetuando-se o tratamento da equação de Hamilton-Jacobi, que é desastroso. Tem uma excelente bibliografia. Estou falando nele por causa de um erro de previsão do autor. Logo no início, Goldstein argumenta que um livro de mecânica, nos nossos tempos, só se justifica como introdução à mecânica quântica. Lembro-me bem que o ilustre astrônomo brasileiro Sílvio Ferraz Mello, especialista em mecânica celeste, se enfureceu com esse comentário. Que, evidentemente, estava totalmente errado! O (re)-surgimento do cáos e a continuação da grande obra de Poincaré sobre a estabilidade na mecânica fizeram dessa área uma das mais ativas fronteiras da pesquisa física. O Landau-Lifshitz não trata deste assunto. Um texto esplêndido, com a matemática levada mais a sério do que é costume entre os físicos, é o de Giovanni Gallavotti, Mechanics. (O original italiano se chama Meccanica Elementare). Este é um curso completo de mecânica, que trata de problemas de estabilidade no final do livro. Menos matemático e bem equilibrado na escolha de tópicos clássicos e modernos é Nivaldo Agostinho Lemos, Mecânica Analítica. Não posso deixar de citar o famoso livro do grande matemático russo V.I. Arnold, Mathematical Methods of Classical Mechanics (Springer). É um livro avançado, embora não pareça. Sensacional um outro livro de Arnold, este de leitura leve: V. I. Arnold, Huygens & Barrow, Newton & Hooke (Birkhäuser), um excelente estudo histórico da mecânica na época de Newton. Para a matemática da estabilidade, a referência obrigatória é Hirsch, Smale, Differential Equations, Dynamical Systems and Linear Algebra. Smale é um dos maiores matemáticos do nosso tempo.Neste ponto você deverá estar em condições de ler o belo livro de Walter Wreszinski, Mecânica Clássica Moderna. Esta é a nossa referência final.

2.Eletromagnetismo

Fiat lux!
Jeová ou Javé

Aqui, de novo, as referências básicas são os excelentes volumes III e IV de H. M. Nussenzveig. O uso do sistema SI (o popular M.K.S.) no eletromagnetismo não me agrada muito, mas, neste nível introdutório, oferece realmente a vantagem de trabalhar com unidades, como volt, ampère, etc., que são familiares. É essencial (somos físicos) ter uma idéia dos tamanhos das coisas. Os exercícios são, em geral, bem dosados, exceto um ou outro (por exemplo, no capítulo 5 do volume III, os exercícios 4,5 e 6 são difíceis de resolver com os métodos expostos no livro, e fáceis com métodos apropriados. É melhor ignorá-los). O volume III tem um concorrente fortíssimo: o genial livro de E. PurcellElectricity and Magnetism, 2nd. Edition. Este é, em minha opinião, um dos melhores livros didáticos jamais escritos. Os exercícios são notáveis.
A matemática usada pelo Moysés é já considerável, e estará inevitavelmente sendo usada antes que o professor de matemática chegue lá. Porém está bem explicada nos próprios volumes II e III, e quase nunca é preciso recorrer a outras referências, como no caso da mecânica.

O leitor ambicioso deve, em paralelo ao curso, ou ao seu estudo por um livro convencional, ler um dos maiores livros de ciência já escritos: J. C. Maxwell, Treatise on Electricity and Magnetism, que ainda é publicado pela Dover. Em particular, pode aprender nele os teoremas integrais, de Green, Gauss e Stokes, que encontram ali exposições magistrais. Particularmente interessante é a parte do livro que trata de instrumentos elétricos. Para que você, iniciante em física, tenha idéia da importância de Maxwell, saiba que foi êle quem descobriu a natureza da luz!

Após o estudo dos livros citados, que já deram uma visão razoavelmente completa do eletromagnetismo, é costume fazer-se um curso com ênfase em métodos de cálculo. Na realidade, o que eu acho que caberia aqui seria um estudo mais detalhado de ondas eletromagnéticas: sua produção e propagação. O livro intermediário que eu recomendo é o Becker, Sauter, Electromagnetic Fields and Interactions, um grande clássico, agora em edição da Dover.

O historiador da ciêcia Gerald Holton publicou um artigo em que sustenta, baseado em suas pesquisas, que o Becker, Sauter foi o livro onde Einstein aprendeu o eletromagnetismo. Mais precisamente, o Becker, Sauter é a versão atual de um livro que surgiu na virada do século XIX para XX, de autoria de Föppl, que teve depois um grande número de reedições: Abraham,Föppl; Abraham, Becker e, finalmente, Becker, Sauter.

Neste nível há ainda dois livros notáveis, indicados como leitura paralela: Sommerfeld, Electrodynamics e Pauli, Electrodynamics. Estes são os livros a que eu recorro quando alguma sutileza conceitual precisa ser esclarecida. Finalmente, um livro de tipo diferente, mas absolutamente genial: Paul J. Nahin, The Science of Radio, extraordinariamente bem escrito, que mostra os problemas que tiveram de ser resolvidos para que fosse possível a transmissão de informação por ondas de rádio. Há excelente física neste livro, escrito por um (genial) professor de engenharia elétrica.

O grande livro avançado desta área é o Landau, Lifshitz, Classical Field Theory, um tratamento extremamente elegante, baseado no princípio de mínima ação e que inclui também a relatividade geral. Insuperável. Como se não bastasse, Landau e Lifshitz escreveram uma seqüência, dedicada à eletrodinâmica nos meios materiais, Electrodynamics of Continuous Media, que mantém a altíssima qualidade do Classical Field Theory. Terminamos nossa lista com uma ótima referência em português: Josif Frenkel, Princípios da Eletrodinâmica Clássica , da EDUSP, de grandes virtudes didáticas e que faz o que um autor sério tem de fazer: seleciona os tópicos, produzindo um livro de tamanho apropriado, e não um desses gigantes de mil páginas.

Lista de livros indicados como "reforço"
Matemática

Livros recomendados por grandes cientistas


Freeman Dyson


André Weil

Enrico Fermi

Richard Feynman

Julian Schwinger

Ivar Giaever