Perguntas que educam

Há cientistas que se distinguem pelas excelentes perguntas que fazem, ou por grandes problemas que propõem, tanto (ou mais!) do que pelas suas descobertas. Um grande perguntador foi o matemático, depois físico, depois engenheiro de armas, Stanislaw Ulam, que publicou um famoso livro de problemas. O grande Hilbert contribuiu com os famosos Problemas de Hilbert: a solução de um deles consagra um matemático.
Vou apresentar aqui uma coleção de perguntas, problemas e observações que acho estimulantes e formativas. São destinadas a estudantes, por isso ninguém se consagrará ao resolvê-las. Mas, ao menos, podem ser divertidas. No começo serão poucas: outras virão, paulatinamente. Quando eu aprender a programar esta joça direito (php, etc), esta seção será interativa. Por enquanto, usem o meu

Antigamente havia uma enciclopédia para jovens, de alta qualidade, chamada Tesouro da Juventude. Quando eu era menino (anos 50), já era velha, e escrita na ortografia antiga, mas, assim mesmo, me fazia viajar para o mundo extraordinário das grandes realizações do espírito humano.

A ortografia antiga era uma maneira "simplificada" de escrever, que se usava antes dos anos 40. Física era physica, asma era asthma. Uma pessoa tuberculosa era então dita tísica, mas se escrevia, inacreditavelmente, phthysica!

O Tesouro da Juventude tinha uma seção intitulada O Livro dos Porquês. Por curiosidade, vou colocar aqui também perguntas desse Livro, com um resumo das respostas. É divertido comparar as respostas daquela época com as de hoje!

Perguntas de Fermi.

Enrico Fermi foi um dos 5 grandes físicos do século XX. Foi, também, um grande professor. "Perguntas de Fermi" é um termo que se refere a perguntas do tipo da seguinte (feita por ele numa prova aos alunos da Universidade de Chicago):"Quantos afinadores de piano há em Chicago?". A idéia, naturalmente, é treinar os alunos no cálculo de ordens de grandeza. As perguntas de Fermi não são as do tipo que eu pretendo apresentar, mas são importantes para desenvolver um estilo de pensamento não muito solicitado nos cursos. Diz-se por aí que as perguntas de Fermi são processadas na "terceira metade do cérebro". Veja tudo sobre perguntas de Fermi em PF1 e PF2

Perguntas e observações.

• Se a Terra fosse menor, o fenômeno das marés seria mais ou menos pronunciado? (Feita para mim pelo meu primeiro orientador, Prof. Luiz Carlos Gomes. Descobri então que não entendia nada de gravitação!).

• Prove que, trabalhando exclusivamente com lentes e espelhos, é impossível se obter, com a luz do Sol, temperaturas maiores do que a maior temperatura do Sol.

• Prove que, quando um sistema clássico emite uma freqüência, emite também os seus harmônicos. Este não é o caso para um sistema quântico.

  Mais precisamente, citando Dirac,"For example, if an atomic system has its equilibrium disturbed in any way and is then left alone, it will be set in oscillation and the oscillations will get impressed on the surrounding electromagnetic field, so that their frequencies may be observed with a spectroscope. Now, whatever the laws of force governing the equilibrium, one would expect [in classical physics] to be able to include the various frequencies in a scheme comprising certain fundamental frequencies and their harmonics. This is not observed to be the case."(P.A.M. Dirac,"The Principles of Quantum Mechanics" 4th.Ed., page 1).
  Depois que você tiver refletido muito sobre a questão, veja o capítulo V de Landau, Lifshitz, "Mechanics" e estude-o como se a sua vida fosse depender disso. Em particular, veja a Seção 28, "Anharmonic Oscillations" e, mais em particular ainda, o tratamento do oscilador anarmônico em uma dimensão. Veja como aparecem as frequências dupla e tripla da fundamental.

• Observação de G. 't Hooft: "Since our brains operate at body temperature (mine does), quantum correlations between nerve cells are washed away by thermal fluctuations, so you may even forget about quantum mechanics when you discuss the mechanisms active inside our brains ..." Explique e prove.

• Nos velhos e bons livros de Tarzan os "selvagens" se comunicavam pela linguagem do "tan-tan", isto é, usando tambores que produziam um som grave. A idéia é que sons graves atingem distâncias maiores. Numa versão moderna, quando você está chegando a um concerto de Rock, os primeiros sons que ouve são os graves. Numa versão eterna, um raio que cai perto tem um som de um tapa; se ele cai longe, tem o som grave característico de um trovão. Mostre que a cor azul do céu (ou, antes, a cor vermelha do céu no crepúsculo) é essencialmente o mesmo fenômeno.

• Uma cortina vermelha exposta ao Sol vai se desbotando gradualmente, até atingir a "cor universal" (coloquialmente conhecida como "cor de burro quando foge"). O seguinte argumento é atribuído a Einstein: se a luz fosse onda, a transmissão de energia para as moléculas de corante se daria contínua e uniformemente. Então, a um certo instante, TODAS as moléculas teriam absorvido energia suficiente para se ionizar, perdendo a propriedade de ser corantes. Ou seja, o desbotamento seria instantâneo, e não gradual. Se, ao contrário, a energia da luz vem em "grãos" (fótons), algumas moléculas seriam atingidas pelos fótons capazes de ionizá-las, outras não, e a gradualidade do processo aparece (o fóton de uma determinada freqüência só é eficaz quando sua energia coincide com uma diferença de níveis da molécula). Na realidade, este argumento não é suficiente para comprovar que a luz é quantizada. Como a "constante de estrutura fina" é muito pequena, aproximadamente 1/137, o fenômeno da gradualidade do desbotamento ocorre desde que as moléculas tenham níveis de energia, mesmo que a luz não seja quantizada. Você saberia dizer por que?

  Bem, esta é um pouco mais avançada que as outras. Veja Feynman, Hibbs, "Quantum Mechanics and Path Integrals", capítulo 6, e, em particular, o problema 6-25.

• Atualizada em 5 de fevereiro de 2002